quarta-feira, dezembro 26, 2007

Mulherzinha contemporânea XII
(uma para cada mês do ano)

A MC detesta correntes, maldições, superstições. Mas virada do ano é coisa séria: roupa branca, calcinha cor da pele com fitinha cor de rosa, sapato amarelo. E não pode ver uma possibilidade de má sorte, que quer logo espantar. Estou com ela e não abro.


Maldição dos blogues


A Clara passou a maldição. Lá vai:

"Um grupo de indígenas surgiu da cidade baixa em direção ao mercado, carregando enormes blocos de sal amarrados nas costas"
Só para fumantes, de Julio Ramón Ribeiro.

As regras:
1 - procurar um livro próximo;
2 - abri-lo na página 161;
3 - procurar a quinta frase completa;
4 - postá-la no seu blog;
5 - não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6 - repassar a outros cinco blogs.


Os amaldiçoados: Ana Hupe, Ciça (que não sei se lê), Mion (para inaugurar o rua do ouro), Selkie, Bernardo MF (só porque me obrigou a dar o endereço).

A frase:
O primeiro livro (Cenas Londrinas, Virginia Woolf) não chegava à pagina 161. O segundo também não chegava à tal 161 (A Arte do teatro: entre tradição e vanguarda. Meyerhold e a cena contemporânea), o terceiro mais próximo era a versão em espanhol do Ressurreição do Tolstói, achei que não valia. O quarto, um infanto-juvenil em outra língua nórdica, também não valia, o quinto, ia parecer que era só para me fazer de cool, até que cheguei a esse, na ponta da estante, porque tinha pegado ontem para uma referência de formatação.

Conclusões: Leio livros muito curtos e preciso parar de amontoar livros que não estou lendo na minha escrivaninha.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Arte para crianças
Escrever é que nem segurar água com peneira.
Quem disse foi o Manoel de Barros

Mulherzinha Contemporânea XI

Mergulhada em Literatura, Graciliano Ramos e autobiografia, a MC esquece teorias, Infância, Cárcere e Caetés e se deixa encantar pelas cartas que ele escrevia para Heloisa Medeiros – que mais tarde viria a ser Heloisa Ramos, ou Ló. Cartas de amor: nada mais denunciador de estilo, nada mais autobiográfico, nada mais Mulherzinha! “Romantismo, minha querida Heloísa, romantismo, e ruim”. A MC morreu de inveja: quer romantismo ruim pra ela.

quarta-feira, novembro 28, 2007

Mulherzinha Contemporânea X

A MC escolheu a primeira resolução da lista de resoluções do ano novo, que ainda vai mudar umas cinqüenta vezes – no fundo, ela sabe disso. Vai namorar um poeta.

Elas, as palavras

Ele quase não sorri, mas tem as piadas ruins de quem ri por pouco, de quem ri e ninguém em volta entende o porquê, mas acaba se contagiando pela gargalhada. Ele não é muito afeito ao contato físico, mas tem as palavras de quem abraça apertado quando encontra, de quem coloca no colo e faz cafuné, de quem rouba beijo, de quem, na mesa de bar, sem olhar nos olhos, enquanto ninguém percebe nada, encosta na mão e não solta, dizendo tudo. Ele diz o que os gestos não precisam dizer, mas ele diz.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Mulherzinha Contemporânea IX

É novembro e a MC fez uma planilha de afazeres, devidamente salva em seu Palmtop, que em breve será trocado por um blackberry. Por causa da loucura, só vai à manicure duas vezes, cabeleireiro só em dezembro, a corrida diminuiu de três para duas vezes na semana, de 50 para 30 minutos. Mas não abre mão do pilates - tudo tem limite.


Fevereiro já!

Novembro é muito mais que um mês. É um estado, uma forma única e inigualável de perceber o mundo e a vida. De repente, olha-se o calendário para, ingenuamente, tentar marcar aquele almocinho, com aquele camarada a quem já se deve um encontro pra colocar o papo em dia há muito tempo.

Num susto novembresco, você repara que a sua lista de afazeres nos próximos 30 dias preencheria facilmente dois anos se pudesse ser cumprida em tempo ideal. O problema é que depois do dia 30, benzinho, só em fevereiro. Colocar papo em dia é coisa de julho, agosto, nos dias mais curtos do ano, calma é palavra proibida, número 1 do Index.

O maior desafio da ordem mundial e da compensação universal não é erradicar a miséria do mundo – isso todo mundo já previu. Quero ver alguém acreditar que um dia, em novembro, será possível ir à pé, porque não há pressa.

Até lá, encontros marcados ou casuais em novembro, que não tenham sido agendados com 45 dias de antecedência e não tenham hora definida de início e fim, ficam no limbo do “vamos marcar!”. E a resposta para o corriqueiro “Como vai?” será “Novembro. E você? Março?”

****

Mais sobre novembro nos arquivos aqui do AN.

quarta-feira, novembro 14, 2007

Mulherzinha contemporânea VIII

No day-after, a MC gosta de receber mensagens de texto perspicazes no celular – dessas que abrem um leve sorriso. E responde no mesmo nível. Se precisar, até desliga o T9 para escrever palavras como perspicaz no telefone.



Mulherzinha ou sem um título melhor

Flertava. Por email. Os auges de ansiedade eram as palavras com duplos significados. As decepções, as dissimulações, o pode-ser-como-pode-não-ser, tudo corria como num flerte normal. Só que por email.

Achava que a modernidade tinha acabado com o romantismo das cartinhas. Essas antigas senhoras eram preciosismos de casais apaixonados à moda antiga ou de amigas de infância que precisassem dar fim às coleções de papel de carta.

– As cartas, hoje em dia, são entregues em mãos, não chegam mais pelo correio, e continuam servindo pra dizer com as palavras da mão, aquilo que as palavras da boca não sabem ou não têm coragem de dizer. Disse, em voz alta, olhando pro espelho do banheiro.

O problema era que gostava de falar como se escreve. Ou de escrever como falava, não sabia bem. “O que eu faço com as cartinhas então? Ai.”, pensou. As questões da escrita eram indizíveis.


quarta-feira, outubro 31, 2007

Mulherzinha Contemporânea VII

Contrariando tabus, a MC não evita os filmes pornográficos – eles fazem parte da profissão. Ela assume, fica famosa e compra sapatos novos pra dar entrevista sobre as imagens escabrosas que vê todos os dias.

quarta-feira, outubro 24, 2007

Mulherzinha contemporânea VI

A MC não gosta de trocadilhos. Mas não contém a risada, se vier de um gatinho.
A blogueira atinge um nível inimaginável de insanidade e faz versinhos ruins, com trocadilhos piores.

O jornalista colunista é como o fisioterapeuta e o ortopedista: ele cuida da coluna.
E como diz o ditado "casa de ferreiro, espeto de pau", se ele não tiver boa postura, a coluna fica mal.

duh.

terça-feira, outubro 23, 2007

MC fica de mau-humor e faz amigos

Estava tão puta, mas tão puta, com o ser humano, que jamais poderia escrever sobre ele de novo. Teve que passar o dia entre os bichos. Foi para o zoológico e conversou com os flamingos, seus novos amigos - gays e delicados.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Mulherzinha Contemporânea V

A MC simpatizou com a vaquinha do baixo bebê e com a vaquinha que diz Mu em frente ao cinema. Está apaixonada pelo Capitão Nascimento, mas não, não acha que ele é vítima nem herói.

Em uma mesa de bar no Rio, ou você fala de Tropa de Elite, ou da última vaca, que você ainda não tinha visto. Vaquinha (ops, quer dizer, 01), pede pra sair!

Fomos invadidos pelas vacas. Andar pelo Rio de Janeiro, hoje, é sinônimo de encontrar a bovininha. Mu-mu é a mais nova melhor amiga do transeunte. Ela anda solta por aí, nada os quatro estilos, lê Drummond junto com o Drummond, fala no orelhão e usa salto alto vermelho com a catiguria da Bebel de Camila Pitanga. Conquistou os corações de ricos, pobres, crianças, velhos, carnívoros e vegetarianos.

Da janela da minha casa não se vê nenhuma, graças. Graças, em parte, porque sou mal-humorada e depois de dois dias vendo vacas a cada esquina, queria que elas saíssem andando e fossem pastar em outra freguesia. Não entendi bem o motivo de espalharem vacas pela cidade. Na Argentina, no país onde se come vacas nas três refeições, pode até ter um sentido filosófico e antropofágico maior. Mas aqui? O país dos preços baixos no quilo do frango? Duvido que espalhassem franguinhos estilizados por aí. Porque ninguém gosta dos franguinhos, ninguém ia querer tirar foto com o franguinho. Frangos, galinhas e familiares não despertam o amor de ninguém. Nem a compaixão.

Rá! Descobri tudo! A cow-parade é uma tentativa (subliminar dos ativistas vegetarianos) de fazer com que paremos de comer carne. Eu sabia, eu sabia. Não podia ser obra de um artista que gosta de churrascaria, criar amor pela vaquinha. Eles subverteram a ordem do bifinho. Querem acabar com a Porcão, com o Filé de Ouro, com o nosso Filé a Osvaldo Aranha! Querem o alho só para eles!

Carnívoros cariocas e simpatizantes, uni-vos! Não dêem bola para as vaquinhas! Deixem as mu-mus que estão soltas em paz! Elas não têm um Kiwi dentro delas, se a gente cortar ao meio. Elas podem oferecer prazeres muito melhores que um Kiwi gigante.

domingo, setembro 30, 2007

Mulherzinha Contemporânea IV

A MC gosta de "filmes cabeça" – feitos pelo Rohmer.

sexta-feira, setembro 28, 2007

Mulherzinha Contemporânea III

A MC continua lendo melodramas e folhetins. Mas transforma isso em projeto de pesquisa acadêmica.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Mulherzinha Contemporânea II

- Afinal, que mal fazem uns beijinhos? Mas porque o cafa não ligou depois daquele inesquecível encontro de almas? Eu juro, eu senti que não era só eu que estava no clima, sabe?

Dito por um espécime de MC num café, acompanhado de trufa light, no encontro semanal com uma amigaaa.

quinta-feira, setembro 20, 2007

Mulherzinha Contemporânea I

A MC sente falta dos hábitos de outras épocas, mas não larga o osso de umas conquistas desse aqui. É a típica “não pode dar a mão, quer logo o braço”.

quinta-feira, agosto 02, 2007

Cansou-se.

Queria alguém com quem um relacionamento de verdade fosse possível.

Com quem se entendesse intelectualmente, mas também na cama.

Com quem brigasse às vezes, mas pudesse resolver tudo com um pequeno barraco particular, entre quatro paredes, e em poucas horas.

Com quem um desentendimento não criasse um clima de dias.

Com quem quisesse ter uma vida real e entendesse que a vida é feita de escolhas.

Com quem pudesse sempre contar, em todos os minutos, felizes e tristes, da sua vida.

Com quem fosse possível dar gargalhadas sem fim e também passar um dia inteiro em silêncio sem ouvir a pergunta “está tudo bem?”.

Com quem a entendesse pelo olhar, pelo peso do passo, pelo tempo no banho.

Com quem não fosse preciso explicar tudo o tempo todo.

Com quem entrelinhas fossem possíveis.

***

Tinha acabado de desistir de amores platônicos.

domingo, julho 22, 2007

Idiomas

Melodramas só deveriam ser escritos em espanhol ou italiano

Romances, em francês

O drama e os épicos, em inglês

Em português, os romances de cavalaria

Em alemão, a técnica e a filosofia

Mas ninguém bate a poesia. Ela fica com todos, sem exceção

domingo, julho 15, 2007

Relações mudernas não são acentuadas.

ele:
estou apaixonado

ela:
(tempo)
ai, desculpa, tive que ateder o telefone.que bom, que noticia boa.

ele:
ela e o maximo

ela:
tenho certeza que e, se voce esta apaixonado assim, a ponto de sair contando por ai.

ele:
nao estou contando por ai, estou contando pra voce

ela:
nossa, estou lisonjeada.

ele:
nao gostou de eu te contar?

ela:
ta doido? imagina. adorei que voce quis contar pra mim. a moça ja sabe da paixao arrasadora?

ele:
nao. vai saber hoje, vamos no jobi. mas acho que desconfia

ela:
(tempo prolongado. o que dizer? o que dizer? muda de assunto, muda de assunto)
mas voce vai contar e vai embora? voce nao entra as oito amanha?

ele:
vamos nos encontrar as seis, assim que ela sair do trabalho, tenho tempo pra muita cerveja...

ela:
(hoje eu tambem saio cedo, cinco e meia...ele colocou reticencias... ta, ele quer um comentario)
aposto que ela tem certeza e so esta esperando voce dizer.

ele:
tomara, seria mais facil assim

ela:
e se ela nao estiver?
(isso, faz ele pensar melhor antes de dizer)

ele:
ai nao sei. mas ela precisa saber disso.

ela:
e, precisa.
(engole o maior dos sapos da vida. quem mandou virar amiga? quem mandou?)

ele:
acho que voce sabe quem e. de repente ate conhece.

ela:
sei?

ele:
acho que sim.

ela:
qual o nome?
(depois eu digo que a internet caiu e pronto. nao quero nem saber quem e a dita cuja pra nao ter que trucidar ninguem em praça publica).

ela saiu da conversa. clique aqui para mandar uma mensagem por email

segunda-feira, julho 09, 2007

Três semanas

Bicicletas, festas, presentes, imaginações, lembranças do que ainda viverei. Não deu tempo, não dá tempo, nunca vai existir tempo suficiente. Taquicardias, faltas de ar, precisando de concentração, tudoaomesmotempoagora.

Odeio digitar espaços, eles ficam longe das letras, os alemães usam menos espaço. Os brasileiros amam mais, falam mais. Os alemães pensam mais, os alemães pensam demais.

Tour de france (??? - Ah, sim, as bicletas), Suíça, Itália, Grécia... ai. Fica pra outra vez. Não sei se quero outra vez. Medo de ver as inevitáveis caras tristes. Louca pra curar tristezas com um abraço e pronto. Quero saber de amanhã, não quero saber de oceano. Quero Dezembro e Carnaval. Nunca achei que fosse querer isso.




Quero tomar um café da manhã gostoso e não bonito, andar de bicleta e não dirigir uma roda, dizer "até mais" e não "até depois". Não quero mais procurar verbos no fim da frase. Mas quero que o medo da noite continue sendo só o medo do barulho da corrente, quero poder brincar de lego com as palavras e montar um vocabulário próprio e certo, respirar com calma e saber exatamente o que vai acontecer em cinco minutos. Porque sim, eles sabem o que vai acontecer em cinco minutos.

Não quero mais despedidas, não quero contar pra ninguém.

terça-feira, julho 03, 2007

Previsões

De quarta a domingo, a região da Costa Verde, entre Rio de Janeiro e São Paulo, terá nuvens carregadas e pancadas de chuva forte ao longo do dia. Os meteorologistas não sabem explicar o fenômeno, mas as adversidades no clima parecem ter secado os alambiques. "Estamos preocupados com as vendas, é uma semana importante para a região", disse Maria Izabel, alambiqueira da região.
As mudanças climáticas abruptas causaram dores de garganta e perda de voz em grandes nomes como Bárbara Heliodora, Jim Dodge, Mário Bortolotto e Edurado Tolentino - todos pretendiam participar de mesas de discussões da Festa Literária Internacional de Paraty. A cantora Thalma de Freitas e o ex- Los Hermanos Rodrigo Amarante, também sofrem do problema e Max Sette, trompetista, está com problemas respiratórios, o que o fez cancelar sua participação no show de abertura da Festa.
Os moradores e visitantes da região planejam uma manifestação. Todos, a partir da próxima quarta-feira até o final da semana, se vestirão de preto. Um luto conjunto contra o aquecimento global, explicação mais provável para o fenômeno. Os motoristas devem evitar a BR 101.
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Quem mandou fazer uma Flip sem mim? Já não bastava o Carnaval?

domingo, julho 01, 2007

Bolinhos de chuva

Dona Benta fazia lá no sítio, o do picapau amarelo. Lá onde uma menina nariguda tinha boneca de pano inteligente que namorava um rinoceronte de rabo enrolado.
O bolinho de chuva é um doce gostoso, um bolinho fritinho, muito bom de comer em dia de chuva. O do Monteiro Lobato.

Depois de um tempo, ouvindo falar dos quitutes da Dona Benta, comecei a imaginar um bolinho feito de chuva. Durante o preparo, ele ficaria com cheirinho de chuva. Teria os sabores chuva no interior e chuva na praia. Dois cheiros diferentes: um de terra, o outro daquele cheirinho de praia, de mar, que em dias quentes deixam a praia de Ipanema mais cheirosa. Ai, que delícia. Um, o bolinho que a gente come e se sente embaixo do cobertor, o outro que dá a sensação de tomar chuva no fim de uma tarde quente, no meio do verão.

***

Chove faz alguns dias por aqui. Mas não tem as aventuras da Emília na estante. E bolinhos de chuva, muito menos. Morangos na janela, isso tem.

***

Certas invenções literárias são maldosas. Acho as comestíveis as principais crueldades dos autores com as pobres criancinhas. Elas têm uma imaginação fértil, muito fértil. Lêem a palavra e lá vem uma imagem na cabecinha delas. Imagem, gosto, cheiro. Os pastéis de vento e os bolinhos de chuva torturaram minha infância.

Os pastéis de vento porque, bem... Lá ia a menininha pedir que sua mãe fizesse pastéis de vento, como os do Pluft. A mãe, coitada, não querendo decepcionar, fritava massa de pastel sem nada dentro. Lá ia a menina, toda animada, comer. Mastigava e descobria que os de queijo eram bem melhores. Mas não desistia de toda a delícia que os atoresdo Tablado, malditos, tinham encenado, e achava que era a mãe, coitada, que não sabia cozinhar.

E os bolinhos de chuva???? Eles não eram nada além de um mini-sonho sem recheio. Onde já se viu sonho sem recheio? E bolinho de chuva que não tem gosto de chuva? Mais uma vez, a mãe, coitada, não chegava aos pés da dona Benta.

A criança, grande vítima, é torturada e decepcionada pelos adjetivos que descrevem as maravilhas da culinária da literatura infantil. Um dia, no triste momento em que ela perde as esperanças, descobre que bolinhos de chuva e pastéis de vento eram só literatura. E, vilã, passa a dizer pras outras crianças que essas são as coisas mais gostosas que ela já experimentou na vida. Talvez tenham o gosto da imaginação, que vai, aos poucos, perdendo os sentidos.

quarta-feira, junho 20, 2007

Paris, je t´aime.

Era certinha, muito certinha. Programava, executava. Tinha razões e objetivos para estar nos lugares. Mas com Paris tudo era diferente. A cidade, costumava dizer, tinha um ar de consolo. Paris consolava. Paris era por si. Paris era o motivo de se estar lá. E era. Descobriu isso depois de se deixar ir ao fundo de si mesma, depois de se deixar encontrar as próprias trevas e sair para passear, sem rumo. Olhou para os lados e lembrou que estava em Paris, que morava lá. E que estava pela primeira vez em um lugar pelo lugar, por nada mais. As lágrimas secaram: nenhum caso de amor seria maior do que aquele.

domingo, junho 10, 2007

A culpa é toda deles

Conheço umas pessoas muito chatas. Dessas que fingem que não sabem escrever. Dessas que ficam por aí, gastando tempo com outras coisas e não escrevem o melhor lançamento do semestre. E eu aqui, atualizando um blogue de nome impronunciável, alhures, nenhures. Tudo culpa dessa gente que não escreve – aí eu não leio e não fico com vergonha de colocar os resultados do meu tico-tico na rede.

sexta-feira, junho 01, 2007

Sobre porquinhos-da-índia, bolinhos de bacalhau e o Rei

De uma manhã de trabalho em Ruinn, que está começando a ficar Bonn.

Ei! Nunca mais conseguimos conversar direito, né? Ai, esse mundo contemporâneo. Resolvi que odeio geografia. Primeiro fico a um oceano de distância de todo mundo. Depois, tem isso de fuso horário. Ai.

Ontem, sabe-se lá por que, lembrei muito de você. Na verdade, fiquei com muita vontade de contar especificamente pra você o dia de ontem. Já contei pra um montão de gente, mas quero mesmo que você saiba. Um dia sensacional, sen-sa-cio-nal. No trabalho foi tudo normal pra variar, porque trabalho sempre é normal. Tá, foi até um pouco melhor que a média, mas ainda assim normal. Não é de trabalho que quero falar (já até vi um "ufa").

No fim do dia, fui com umas amigas tomar um vinhozinho, já que tava frio. Fomos parar em um restaurante espanhol. Aqui é a maior moda essa coisa de restaurantes espanhóis, as pessoas gostam dessa idéia de comer umas "tapas" e a cozinha alemã não é muito feita pra iso não.

Lá estávamos nós no restaurante espanhol que, veja você, tinha um dono português. Perguntamos pro portuga – ai, ele é tão fofo. Um dos portugas mais portugas que já vi na vida – por que não era português o restaurante. Com aquele sotaque bem carregado, ele nos contou que, quando chegou à Alemanha e assumiu o restaurante, ali já funcionava um restaurante espanhol e ele já estava muito velho pra começar outra coisa. Claro que ele deu um toque pUrtuguês no restaurante: o lugar passou a se chamar Casa Antonia e ele adicionou bolinhos de bacalhau, caldo verde, patinhas de caranguejo e vinho e aguardente portugueses ao cardápio . Hmmm que delícia.

Estávamos lá comendo os bolinhos de bacalhau (pastéis de bacalhau, claro) acompanhados de um vinho do Alentejo, quando seu Zé coloca uma música para "as brasileiras". Roberto Carlos, fase da jovem-guarda. Ai, foi sensacional. Uma emoção só. Ficamos conversando a noite toda com seu Zé, cantando e dançando Roberto Carlos, naquele restaurante que tinha um clima tão bom: todo de madeira escura, uma luz meio baixa, as pessoas conversando e seu Zé, tão fofo. Disse até que sua mulher era "portuguesa com certeza" e nos agradeceu com um "obrigadinho".

Tá, nem parece tão legal assim. Mas foi. E tinha que te contar. Não sei se pelos papos que sempre temos de comida e cozinha (taí uma coisa que eu queria saber fazer: bolinhos de bacalhau), ou se pelo Rei. Acho que você ia entender toda a felicidade de ter "iê-iê, que onda, que festa de arromba" ou "calhambeque, bibi" como trilha sonora de uma noite lusófona, comendo bolinhos de bacalhau caseiros e tomando um vinhozinho.

No fim da noite, pra fechar com chave de ouro, estava voltando pra casa de ônibus. Desisti de voltar sozinha de bicicleta. Quando ninguém vai pra casa comigo ou pelo menos na minha direção, não saio de bicicleta. Você tem que ver o medo que dá andar naquelas ruas sem iluminação, vazias, silenciosas, e ouvir o barulho da corrente de bicicleta. Ai, juro, fico achando que vou ser assassinada com uma serra elétrica a qualquer minuto. Enfim. Desci do ônibus noturno e comecei a caminhar em direção à minha casinha. Ouvindo meus passos, tec. Nehc,. Toc, ploft. Já disse que as ruas não são iluminadas né? Por uma coincidência feliz, resolvi olhar pro chão e, ufa, consegui desviar de um porquinho-da-índia. Ia machucar meu pé feio se não tivesse visto. Primeiro meu coração ficou muito acelerado, com medo. Depois respirei e vi, que lindo, um porquinho-da-índia. Ia pegar a câmera pra tirar uma foto, mas ele sentiu minha presença e fugiu. Poxa.

Tô com saudades, viu? Deu pra perceber, né? Esse email enorme e insuportável falando de bolinhos de bacalhau, roberto carlos e porquinhos-da-índia. Só eu mesmo. Bom, a boa má notícia é que nenhuma das minhas tentativas de ficar deu certo. Estou chegando aí em pouco tempo. No máximo no início de setembro. Vai separando um fim de semana aí pra gente tomar umas. E uma nova receita pra um jantarzinho entre amigos. Ou um almocinho entre amigos. Estou aprendendo as especialidades culinárias alemãs pra preparar uma refeição toda. Alguma coisa eu tinha que fazer de útil aqui, né?

Beijos, querido.


Tinha sonhado com ele naquela noite. Na mesma noite, sonhou que sonhava há duas noites seguidas com ele. Será que sonhava há duas noites seguidas e achou que esse pensamento, lúcido, era sonho? Essas madrugadas claras andavam confundindo a cabeça dela. Era uma paixonite aguda e platônica, sabia. Jamais poderia declarar-se, nem dar sinais além daquele enorme email, que sabia, não deveria ter escrito, mas não conseguiu se segurar. De qualquer forma, estava tranqüila. Escreveu estrategicamente amigos duas vezes no final de tudo. Sonhava com conversas apaixonadas e brigas que teriam. Algumas intelectuais também. Sonhava acordada mesmo. Quando sonhou à noite, sentiu que a coisa era séria. Escreveu o email, clicou em send e se arrependeu. Ia achar ela uma chata, nunca mais ia querer tomar uma cerveja com ela. E ele era tão legal... Ai

terça-feira, maio 22, 2007

Carta dos Leitores

Uma das minhas leitoras, e minha autora favorita, lembrou de banzo. Que não é bem Heimweh, mas pode até ser equivalente. Eu também acho Português o máximo, só não agüento os nacionalistas chatos achando que nenhuma língua é sequer comparável a ele.

Mas Fernweh, por exemplo. Não vou me alongar com as explicações, mas é mais ou menos como aquela música da adolescência: saudades daquilo que ainda não vivi. Português, a língua sensacional, melódica, bonita e sim, com a qual me expresso melhor, precisou de uma frase. Alemão, língua pela qual sou fascinada e tenho a sensação de que nunca vou saber direito, só de uma palavrinha.

segunda-feira, maio 21, 2007

Dicionário Juju de Alemão-Português

Dizem, entusiastas do português, nacionalistas chatos, que não existe a palavra saudade em outras línguas. Lorota. Em alemão, por exemplo, tem umas 717 mil. Uma para cada saudade: sentiu, vai lá no dicionário que tem uma palavra muito melhor do que simplesmente saudades pra explicar tudo.

A que estou sentido agora é Sehnsucht. Uma pessoa süchtig (reparar no radical) é uma pessoa viciada (em qualquer coisa). Dependente químico mesmo. Pode-se até dizer “ich bin nicht süchtig” (eu não sou viciado), assim, intransitivamente. O sentimento de Sehnsucht é a sensação do viciado na falta da droga. Estou falando dos tremeliques (pelo menos a minha Sehnsucht). No caso (Alô! Queridos conterrâneos cariocas! A mania de “no caso” continua por aí?), a droga de que sinto falta é ver (sehen, em alemão – mais uma vez reparar no radical). E sentir tanta falta de ver a ponto de ter tremeliques de viciado em heroína já há sete dias sem um pico é ou não é um tipo de saudades?

Bem diferente, por exemplo, de Heimweh, que não, não está rolando. Nacionalistas chatos, desculpem, mas o calor aqui levou toda a Heimweh embora.

Weh é dor. Em alemão, “das tut weh” significa “isso dói” (ao pé da letra: isso faz dor). Heim é tanto advérbio para casa (“komm gut heim”significa “chegue em casa direitinho”) quanto substantivo para origem, no sentido de local de origem (Heimat ou Heimatland é terra natal). Trocando em miúdos: saudades de casa ou da terra natal, e não de alguém ou alguéns.

E tem ainda a Fernweh, e muitas outras wehs e süchte que eu não lembro agora. Uma para cada ocasião, para ninguém confundir, não ter entrelinha mal entendida. Bem alemão...

sábado, maio 12, 2007

Hipertexto metatexto


Ele fazia parte da poesia sem saber*, assim como a palavra arde não sabe fazer parte do soneto do Camões. Ou sabe, mas ela também faz parte da pergunta da criança medrosa, quando se machuca e vê a mãe vindo com remédio:

- Mãe, isso arde?

Se sabe, um sabe outro.

As palavras sabem, mais ou menos, quem são, mas nunca sabem o que o destino vai fazer com elas. Um dia, elas olham para os lados e vêem que estão fazendo parte de algo que faz delas bonitas, engraçadas. Ficam bem quando no meio daquelas outras palavras. De repente, sem aviso prévio, olham de novo e ficam xoxas ou até feias – assim como num dia cinza em que só se vê na rua pessoas indo pro trabalho. O vento sopra pra outro lado e lá estão elas apaixonadas. Chove e elas choram. Tudo, tudo depende de como os nossos dedos e lábios brincam com elas. Mas são tantos milhares de dedos e lábios se mexendo ao mesmo tempo que elas nunca podem prever onde estarão no minuto seguinte, elas não sabem o que esperar. Assim que nem a gente, né?




* idéia vinda de outro lugar, que provavelmente não vai chegar aqui. Idéia que não tem nada a ver com esse outro lugar e que por isso mesmo veio parar aqui.

quarta-feira, maio 09, 2007

Lá no Reino do Era uma vez. Mas bem que podia ser aqui

Um dia, eu quero acordar e espirrar uma história. Tomar café e ver no fundo da xícara um conto. Me irritar e transformar tudo em romance. Sentar à frente do computador pra trabalhar e saber escrever.

segunda-feira, maio 07, 2007

Novas palavras

Eichhörnchen é, sem sombra de dúvida, a melhor palavra de todos os tempos. Mas ultimamente devo confessar que estou mais amiga de outra. Durmidinha. Assim com u. Não é cochilo, não é soneca. É durmidinha. Aconchegante, com muitos travesseiros e até cobertores. Revitaliza.

Ainda sobre a língua portuguesa

Gosto, às vezes, de usar o mais-que-perfeito. Ninguém usa isso. A não ser que seja pedante ou gênio. Espero não ser pedante, sei que não sou gênia. Mas tenho uma predileção por jeitos velhos de se escrever, palavras de velhos. E poxa, o tempo verbal se chama MAIS QUE PERFEITO. É um pouco difícil resistir.
Pasárgada

Era jovem, muito jovem, diziam os outros. Engraçado, tinha a nítida sensação de que nada mais de bom estava por vir. As angústias e os problemas futuros eram muito maiores, e ela, mal conseguia suportar os de agora. Não sabia por onde ir, que caminhos tomar, que escolhas fazer. Sabia que queria ser muito feliz, se divertir muito e não ter mais preocupações. Tinha plena certeza de que isso, era impossível.

A parte boa da vida já tinha passado – não se arrependia; a vivera intensamente, sem desperdiçar nenhum minuto, nenhuma oportunidade. A espontaneidade, as gargalhadas, as madrugadas. Grandes e fiéis companheiras. Não podia dizer que fez tudo como mandava o figurino, mas sim como era esperado das improvisações que a caminhada pela vida obriga todos a fazerem. Reconhecia-se como bem sucedida naquilo que fez, mas não era capaz de enxergar no horizonte uma grandiosidade como a que já tinha passado.

...

Nascera e vivera por muito tempo em Pasárgada. Sim, era amiga do Rei, os dias eram mais bonitos, os pássaros cantavam melhor e ela percebia a beleza disso tudo. Nunca mudara de endereço, foram poucas as mudanças da vida – podia-se dizer que se tratava de conseqüências do fluxo natural de uma vida de sorte. Nem o telefone, nem o CEP da casa mudaram. Mas Pasárgada sim. Esta se mudara, sabe-se lá para onde. Não estava mais por lá. Fazia pouco tempo que saíra, mas queria, queria mais do que tudo, voltar pra lá. Pra Pasárgada. Não sabia como.


(Novembro de 2005)

quinta-feira, maio 03, 2007

Pragmatismo

- Filho, esse é o Gabriel, filho da tia Elaine, amiga da mamãe.
- Gabriel como o pai de Jesus, mãe?
- Não, filho, o pai de Jesus é Deus.
- Não mãe, Deus e Jesus são a mesma coisa. Ele se metarrrrrrmofoseou em gente pra dominar o mundo
- Em primeiro lugar é MetamoRfoseou. Em segundo lugar, é filho, Deus e Jesus são a mesma pessoa, mas ele enviou o anjo Gabriel como mensageiro para Maria. E quem foi pai de Jesus durante a vida dele na terra, foi José.
- Então, mãe. O Gabriel é o pai. Pensa. Foi ele que colocou Jesus na barriga da Maria. O José, que já era apaixonado por ela, não se incomodou de criar o menino jesus, até porque todos eles já tinham se comunicado e sabiam que era parte do projeto de Deus, dominar o mundo.
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Vai ficar cada vez mais difícil explicar religião pras crianças...

terça-feira, maio 01, 2007

Quando o feitiço vira contra o feiticeiro.

Os alemães são muito orgulhosos de sua consciência ambiental ( será a maior contribuição da Merdel, quer dizer, Merkel, na presidência da União Européia) e da sua cerveja. Diz-se até que os outros países do bloco (e os do não bloco também, mas que são ricos pra dedéu) morrem de inveja do preço da cerveja por aqui. Pois é, de todos os lugares pelos quais passei, só perde pra Praga. Mas aí também a concorrência é desleal...

Mas, ora vejam, como em um bom filme de faroeste, o país é pequeno demais e não há espaço pros dois orgulhos do povo (eles não andam comentando muito sobre seus carros porque eles são mais poluentes que os concorrentes franceses...). Um deles tem que morrer, isto é, os alemães terão que escolher entre o aquecimento global e o preço da cerveja.

O governo da amada primeira Chanceler Federal mulher resolveu subsidiar a produção de grãos uitilizados pra produção de biocombustíveis. E tem agricultores que estão virando a casaca e largando a cevada. Além de deixarem de ser protegidos por Hildegard von Bingen, a santa criadora da bebida deles de cada dia, esses caras vão contribuir para o aumento do preço da cerveja.

Uma catástrofe nacional. Pra se ter uma idéia, aqui existe um imposto sobre o valor agregado do produto que, em janeiro, cresceu de 16% sobre o valor para 19%. As cervejarias seguraram a onda, diminuiram seus lucros e não repassaram pro bolso do apreciador da cerveja. O problema é que, com essa medida, não vai mais dar pra segurar. A catástrofe vai fazer com que o alemão passe a gastar em torno de trinta centavos a mais para sua caneca de um litro de cerveja. E sim, o aumento foi capa de todos os jornais.

Há poucas semanas saiu uma pesquisa falando sobre o aumento de índices de alcoolismo entre jovens no país, o que deixou a "mãe" da pátria alemã assustadíssima. Por favor, né? Dá pra tomar três daquelas caneconas, que têm uma cerveja com teor alcoólico altíssimo e ainda assim, passa-se no teste do bafômetro.

Seria a moral cristã dando a desculpa de um combustível mais "amigo do meio ambiente" (umweltfreundlicher) para fazer com que os coitadinhos bebam menos?

O melhor de toda a história é a declaração de um dono de cervejaria: "O governo alemão precisa ser mais racional e não dar mais importância à segurança energética que à segurança alimentar". È. Na Alemanha, cerveja faz parte da cesta báscica. E ai de quem diga que não.