terça-feira, maio 22, 2007

Carta dos Leitores

Uma das minhas leitoras, e minha autora favorita, lembrou de banzo. Que não é bem Heimweh, mas pode até ser equivalente. Eu também acho Português o máximo, só não agüento os nacionalistas chatos achando que nenhuma língua é sequer comparável a ele.

Mas Fernweh, por exemplo. Não vou me alongar com as explicações, mas é mais ou menos como aquela música da adolescência: saudades daquilo que ainda não vivi. Português, a língua sensacional, melódica, bonita e sim, com a qual me expresso melhor, precisou de uma frase. Alemão, língua pela qual sou fascinada e tenho a sensação de que nunca vou saber direito, só de uma palavrinha.

segunda-feira, maio 21, 2007

Dicionário Juju de Alemão-Português

Dizem, entusiastas do português, nacionalistas chatos, que não existe a palavra saudade em outras línguas. Lorota. Em alemão, por exemplo, tem umas 717 mil. Uma para cada saudade: sentiu, vai lá no dicionário que tem uma palavra muito melhor do que simplesmente saudades pra explicar tudo.

A que estou sentido agora é Sehnsucht. Uma pessoa süchtig (reparar no radical) é uma pessoa viciada (em qualquer coisa). Dependente químico mesmo. Pode-se até dizer “ich bin nicht süchtig” (eu não sou viciado), assim, intransitivamente. O sentimento de Sehnsucht é a sensação do viciado na falta da droga. Estou falando dos tremeliques (pelo menos a minha Sehnsucht). No caso (Alô! Queridos conterrâneos cariocas! A mania de “no caso” continua por aí?), a droga de que sinto falta é ver (sehen, em alemão – mais uma vez reparar no radical). E sentir tanta falta de ver a ponto de ter tremeliques de viciado em heroína já há sete dias sem um pico é ou não é um tipo de saudades?

Bem diferente, por exemplo, de Heimweh, que não, não está rolando. Nacionalistas chatos, desculpem, mas o calor aqui levou toda a Heimweh embora.

Weh é dor. Em alemão, “das tut weh” significa “isso dói” (ao pé da letra: isso faz dor). Heim é tanto advérbio para casa (“komm gut heim”significa “chegue em casa direitinho”) quanto substantivo para origem, no sentido de local de origem (Heimat ou Heimatland é terra natal). Trocando em miúdos: saudades de casa ou da terra natal, e não de alguém ou alguéns.

E tem ainda a Fernweh, e muitas outras wehs e süchte que eu não lembro agora. Uma para cada ocasião, para ninguém confundir, não ter entrelinha mal entendida. Bem alemão...

sábado, maio 12, 2007

Hipertexto metatexto


Ele fazia parte da poesia sem saber*, assim como a palavra arde não sabe fazer parte do soneto do Camões. Ou sabe, mas ela também faz parte da pergunta da criança medrosa, quando se machuca e vê a mãe vindo com remédio:

- Mãe, isso arde?

Se sabe, um sabe outro.

As palavras sabem, mais ou menos, quem são, mas nunca sabem o que o destino vai fazer com elas. Um dia, elas olham para os lados e vêem que estão fazendo parte de algo que faz delas bonitas, engraçadas. Ficam bem quando no meio daquelas outras palavras. De repente, sem aviso prévio, olham de novo e ficam xoxas ou até feias – assim como num dia cinza em que só se vê na rua pessoas indo pro trabalho. O vento sopra pra outro lado e lá estão elas apaixonadas. Chove e elas choram. Tudo, tudo depende de como os nossos dedos e lábios brincam com elas. Mas são tantos milhares de dedos e lábios se mexendo ao mesmo tempo que elas nunca podem prever onde estarão no minuto seguinte, elas não sabem o que esperar. Assim que nem a gente, né?




* idéia vinda de outro lugar, que provavelmente não vai chegar aqui. Idéia que não tem nada a ver com esse outro lugar e que por isso mesmo veio parar aqui.

quarta-feira, maio 09, 2007

Lá no Reino do Era uma vez. Mas bem que podia ser aqui

Um dia, eu quero acordar e espirrar uma história. Tomar café e ver no fundo da xícara um conto. Me irritar e transformar tudo em romance. Sentar à frente do computador pra trabalhar e saber escrever.

segunda-feira, maio 07, 2007

Novas palavras

Eichhörnchen é, sem sombra de dúvida, a melhor palavra de todos os tempos. Mas ultimamente devo confessar que estou mais amiga de outra. Durmidinha. Assim com u. Não é cochilo, não é soneca. É durmidinha. Aconchegante, com muitos travesseiros e até cobertores. Revitaliza.

Ainda sobre a língua portuguesa

Gosto, às vezes, de usar o mais-que-perfeito. Ninguém usa isso. A não ser que seja pedante ou gênio. Espero não ser pedante, sei que não sou gênia. Mas tenho uma predileção por jeitos velhos de se escrever, palavras de velhos. E poxa, o tempo verbal se chama MAIS QUE PERFEITO. É um pouco difícil resistir.
Pasárgada

Era jovem, muito jovem, diziam os outros. Engraçado, tinha a nítida sensação de que nada mais de bom estava por vir. As angústias e os problemas futuros eram muito maiores, e ela, mal conseguia suportar os de agora. Não sabia por onde ir, que caminhos tomar, que escolhas fazer. Sabia que queria ser muito feliz, se divertir muito e não ter mais preocupações. Tinha plena certeza de que isso, era impossível.

A parte boa da vida já tinha passado – não se arrependia; a vivera intensamente, sem desperdiçar nenhum minuto, nenhuma oportunidade. A espontaneidade, as gargalhadas, as madrugadas. Grandes e fiéis companheiras. Não podia dizer que fez tudo como mandava o figurino, mas sim como era esperado das improvisações que a caminhada pela vida obriga todos a fazerem. Reconhecia-se como bem sucedida naquilo que fez, mas não era capaz de enxergar no horizonte uma grandiosidade como a que já tinha passado.

...

Nascera e vivera por muito tempo em Pasárgada. Sim, era amiga do Rei, os dias eram mais bonitos, os pássaros cantavam melhor e ela percebia a beleza disso tudo. Nunca mudara de endereço, foram poucas as mudanças da vida – podia-se dizer que se tratava de conseqüências do fluxo natural de uma vida de sorte. Nem o telefone, nem o CEP da casa mudaram. Mas Pasárgada sim. Esta se mudara, sabe-se lá para onde. Não estava mais por lá. Fazia pouco tempo que saíra, mas queria, queria mais do que tudo, voltar pra lá. Pra Pasárgada. Não sabia como.


(Novembro de 2005)

quinta-feira, maio 03, 2007

Pragmatismo

- Filho, esse é o Gabriel, filho da tia Elaine, amiga da mamãe.
- Gabriel como o pai de Jesus, mãe?
- Não, filho, o pai de Jesus é Deus.
- Não mãe, Deus e Jesus são a mesma coisa. Ele se metarrrrrrmofoseou em gente pra dominar o mundo
- Em primeiro lugar é MetamoRfoseou. Em segundo lugar, é filho, Deus e Jesus são a mesma pessoa, mas ele enviou o anjo Gabriel como mensageiro para Maria. E quem foi pai de Jesus durante a vida dele na terra, foi José.
- Então, mãe. O Gabriel é o pai. Pensa. Foi ele que colocou Jesus na barriga da Maria. O José, que já era apaixonado por ela, não se incomodou de criar o menino jesus, até porque todos eles já tinham se comunicado e sabiam que era parte do projeto de Deus, dominar o mundo.
*****

Vai ficar cada vez mais difícil explicar religião pras crianças...

terça-feira, maio 01, 2007

Quando o feitiço vira contra o feiticeiro.

Os alemães são muito orgulhosos de sua consciência ambiental ( será a maior contribuição da Merdel, quer dizer, Merkel, na presidência da União Européia) e da sua cerveja. Diz-se até que os outros países do bloco (e os do não bloco também, mas que são ricos pra dedéu) morrem de inveja do preço da cerveja por aqui. Pois é, de todos os lugares pelos quais passei, só perde pra Praga. Mas aí também a concorrência é desleal...

Mas, ora vejam, como em um bom filme de faroeste, o país é pequeno demais e não há espaço pros dois orgulhos do povo (eles não andam comentando muito sobre seus carros porque eles são mais poluentes que os concorrentes franceses...). Um deles tem que morrer, isto é, os alemães terão que escolher entre o aquecimento global e o preço da cerveja.

O governo da amada primeira Chanceler Federal mulher resolveu subsidiar a produção de grãos uitilizados pra produção de biocombustíveis. E tem agricultores que estão virando a casaca e largando a cevada. Além de deixarem de ser protegidos por Hildegard von Bingen, a santa criadora da bebida deles de cada dia, esses caras vão contribuir para o aumento do preço da cerveja.

Uma catástrofe nacional. Pra se ter uma idéia, aqui existe um imposto sobre o valor agregado do produto que, em janeiro, cresceu de 16% sobre o valor para 19%. As cervejarias seguraram a onda, diminuiram seus lucros e não repassaram pro bolso do apreciador da cerveja. O problema é que, com essa medida, não vai mais dar pra segurar. A catástrofe vai fazer com que o alemão passe a gastar em torno de trinta centavos a mais para sua caneca de um litro de cerveja. E sim, o aumento foi capa de todos os jornais.

Há poucas semanas saiu uma pesquisa falando sobre o aumento de índices de alcoolismo entre jovens no país, o que deixou a "mãe" da pátria alemã assustadíssima. Por favor, né? Dá pra tomar três daquelas caneconas, que têm uma cerveja com teor alcoólico altíssimo e ainda assim, passa-se no teste do bafômetro.

Seria a moral cristã dando a desculpa de um combustível mais "amigo do meio ambiente" (umweltfreundlicher) para fazer com que os coitadinhos bebam menos?

O melhor de toda a história é a declaração de um dono de cervejaria: "O governo alemão precisa ser mais racional e não dar mais importância à segurança energética que à segurança alimentar". È. Na Alemanha, cerveja faz parte da cesta báscica. E ai de quem diga que não.