domingo, julho 01, 2007

Bolinhos de chuva

Dona Benta fazia lá no sítio, o do picapau amarelo. Lá onde uma menina nariguda tinha boneca de pano inteligente que namorava um rinoceronte de rabo enrolado.
O bolinho de chuva é um doce gostoso, um bolinho fritinho, muito bom de comer em dia de chuva. O do Monteiro Lobato.

Depois de um tempo, ouvindo falar dos quitutes da Dona Benta, comecei a imaginar um bolinho feito de chuva. Durante o preparo, ele ficaria com cheirinho de chuva. Teria os sabores chuva no interior e chuva na praia. Dois cheiros diferentes: um de terra, o outro daquele cheirinho de praia, de mar, que em dias quentes deixam a praia de Ipanema mais cheirosa. Ai, que delícia. Um, o bolinho que a gente come e se sente embaixo do cobertor, o outro que dá a sensação de tomar chuva no fim de uma tarde quente, no meio do verão.

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Chove faz alguns dias por aqui. Mas não tem as aventuras da Emília na estante. E bolinhos de chuva, muito menos. Morangos na janela, isso tem.

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Certas invenções literárias são maldosas. Acho as comestíveis as principais crueldades dos autores com as pobres criancinhas. Elas têm uma imaginação fértil, muito fértil. Lêem a palavra e lá vem uma imagem na cabecinha delas. Imagem, gosto, cheiro. Os pastéis de vento e os bolinhos de chuva torturaram minha infância.

Os pastéis de vento porque, bem... Lá ia a menininha pedir que sua mãe fizesse pastéis de vento, como os do Pluft. A mãe, coitada, não querendo decepcionar, fritava massa de pastel sem nada dentro. Lá ia a menina, toda animada, comer. Mastigava e descobria que os de queijo eram bem melhores. Mas não desistia de toda a delícia que os atoresdo Tablado, malditos, tinham encenado, e achava que era a mãe, coitada, que não sabia cozinhar.

E os bolinhos de chuva???? Eles não eram nada além de um mini-sonho sem recheio. Onde já se viu sonho sem recheio? E bolinho de chuva que não tem gosto de chuva? Mais uma vez, a mãe, coitada, não chegava aos pés da dona Benta.

A criança, grande vítima, é torturada e decepcionada pelos adjetivos que descrevem as maravilhas da culinária da literatura infantil. Um dia, no triste momento em que ela perde as esperanças, descobre que bolinhos de chuva e pastéis de vento eram só literatura. E, vilã, passa a dizer pras outras crianças que essas são as coisas mais gostosas que ela já experimentou na vida. Talvez tenham o gosto da imaginação, que vai, aos poucos, perdendo os sentidos.